#03 neste dia das mães, eu não contei que era mãe
Eu não iria mentir. Jamais. Apenas não contar. Por 45 minutos inteiros.
Era sábado, véspera de dias das mães. Eu consegui 45 minutos livres para pintar as unhas. Fui há um cabeleireiro novo, para o qual eu ainda era uma anônima. Me propus um desafio pessoal: não contar que sou mãe. Nem para a manicure, nem para a supervisora da agenda, nem para ninguém. Eu não iria mentir. Jamais. Apenas não contar. Por 45 minutos inteiros.
“A mãe, tudo sempre começa com ela". Li essa frase em uma das minhas newsletters favoritas. De autoria de uma escritora com a qual me identifico horrores. Ela não é mãe. Ou talvez seja, mas não conte. Eu fiz isso. Consegui.Também não fui. Ou melhor, fui mãe para caramba neste momento. as mães sabem. mas não contei.
O primeiro impulso de revelação veio enquanto ela tirava o esmalte velho das unhas do meu pé. Comentei que aquele tom de areia estava ali há mais tempo do que deveria - e só. parei por aí. Não contei que desde a última vez que pintei as unhas do pé o pequeno começou a andar e consumir todo e qualquer tempo que poderia ser usado para passar acetona.
Alguns minutos depois aceitei um café. No finalzinho do processo, me ofereceram mais um e eu tomei sem culpa e sem explicar porque estava com sono às 11h30 da manhã de um sábado.
Ouvi Neia, a manicure que fazia a minha mão, não meu pé, falando da sua mãe que vive na Bahia. Morri de inveja da paz de espírito dessa mulher. Acredita que Neia ligou para ela dizendo que achava que estava com câncer por causa de uma dor muscular e a sua mãe não se desesperou?! Apenas riu e disse: minha filha isso não faz sentido, qual foi o médico que te deu esse diagnóstico?
Não tinha médico. Era a mente ansiosa da filha e o Google. A dor passou em dois dias. O culpado parece ter sido o novo exercício de braço que Neia fez na academia.
Eu ouvi tudo com curiosidade e aflição. Mas, mais importante, sem nunca dizer: tu é louca de ligar para sua mãe falando isso? Se o meu filho fizer isso um dia…
Fiquei na minha e sorri.
Por um breve instante, derrapei e quase joguei o plano por água abaixo. Para quebrar algum momento breve de silêncio, puxei papo e perguntei: e amanhã, vocês vão trabalhar? Não né?! Elas confirmaram explicando que o salão não abria aos domingos. A verdade é que sou nova nisso e achei que dia das mães era feriado.
Ninguém desconfiou.Eu acho. Pelo menos não até o tchau final.
Depois de pagar, antes de ir embora, desejei um feliz dia das mães para a moça que cuidava das minhas unhas do pé. Ela disse: para você também. Mas, seu olhar só dizia: por que raios ela está me desejando isso???
Fingi normalidade e sai pela porta ainda como quem vai almoçar com a mãe e não ser a mãe do almoço.
No caminho espiei pelo vidro, sem perguntar nada ou falar com ninguém, se a barbearia, também nova no bairro e vizinha ao cabeleireiro, tinha aquelas cadeiras de carrinho para cortar cabelo de criança. Não tinha.
Chegando na esquina liguei para saber se estavam todos prontos em casa. Nos encontramos na garagem. O pequeno sorriu ao me ver. Eu ganhei meu dia pela segunda vez.
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Por hoje é só. Agora respira, não pira e, especialmente se você é mãe, vai escrever aquilo que só você tá sentindo!
Amei, obrigada por compartilhar um pedacinho seu. 💙